Transtorno de acumulação

Você já deve ter visto essa cena: uma casa com muitos objetos espalhados de forma desordenada, do lado de dentro e também no quintal.

Frequentemente tal acúmulo congestiona as áreas da casa e alteram de forma significativa seu uso originalmente previsto.

Além da sujeira e insetos que obviamente tal excesso e bagunça atraem.

casa-baguncada

 

Há acumuladores para quase tudo o que conhecemos: revistas, jornais, recortes de jornais, caixas usadas de pizza, livros, louças, sapatos, joias, plantas, materiais de construção, filmes, madeiras, parafusos, animais de estimação, materiais elétricos, papéis, peças de computadores ou até mesmo computadores inteiros, brinquedos, etc.

Com a internet, acredito que a acumulação virtual também tenha aumentado de forma significativa na vida de muitas pessoas.

O caso mais inusitado que ouvi dizer até hoje foi em um dos programas “No Divã do Gikovate”, que era transmitido pela Rádio CBN.

O ouvinte relatou que seu colega de quarto revirava os recipientes com lixo da cidade a procura de documentos de identificação. E quando os encontrava, levava para casa! Para piorar a situação, havia também a coleção de jornais…

Coleção x acumulação

De forma funcional é agradável o ato de colecionar algo.

Talvez ajude a dar algum sentido a vida, proporcionar o senso de pertencimento. E proporcione também um pouco de felicidade.

Quem não se lembra dos álbuns de figurinhas na infância? Nem sei se ainda existem, provavelmente não.


Conforme vamos crescendo, as coleções mudam: revistas, livros, miniaturas diversas, perfumes, cd’s (que praticamente não existem mais), pôsteres de artistas, jogos de video-game, etc.


Então, chega um momento na vida em que nossas coleções – tão amadas durante muitos anos – já não fazem mais tanto sentido assim para nós.


Após algum tempo, geralmente uma das opções abaixo é escolhida:


1) Venda.

2) Doação.

3) Guardar para filhos ou netos.

4) Guardar uma parte como lembrança, caso isso seja possível. Não dá para guardar uma parte de uma boneca, por exemplo, mas um cd, um livro ou uma miniatura sim.

Em caso de venda ou doação, não há angústia ou tristeza pelo fato de nos desfazermos das coleções.

Quando vendo ou doo algo que não tem mais utilidade ou que não faz mais sentido para mim, procuro pensar também no quanto tal objeto poderá ser útil à outra pessoa, cumprindo a função para a qual foi criado – que não é estar guardado indefinidamente em um armário ocupando espaço.

Particularmente acredito que precisamos abrir espaço para o novo em nossas vidas.

E uma das maneiras de fazer isso é tirando muitas coisas que temos em excesso, mas que sabemos que não usaremos ou não queremos mais – o famoso “destralhar” – que não é fácil, mas acredito que seja necessário para vivermos de forma equilibrada.

Não lembro quem é o autor da frase, mas resume bem o que penso:

Casa bagunçada = Pensamentos bagunçados = Vida bagunçada

Já reparou que acumuladores geralmente não se desenvolvem, parece que a vida deles não deslancha?


Mas o acumulador não pensa assim…

Para o acumulador, tirar qualquer objeto causa desconforto, angústia e até raiva – se o objeto for tirado por outra pessoa.

A casa pode estar repleta de coisas imprestáveis e inúteis, mas o portador desse transtorno vê normalidade em meio ao caos da bagunça, desorganização e sujeira.


De maneira disfuncional, muitos acreditam na necessidade de guardar tudo, pois algum dia, em um futuro muito distante, quem sabe aquele único parafuso – em meio a 500 – não será realmente útil?

Ou quem sabe aquele pedaço de portão enferrujado velho sirva para algo? Ou então o cabo de antena analógica do televisor? Nunca se sabe…. –

É assim que funciona uma parte da mente do acumulador.

Por incrível que pareça, para cada objeto guardado há sempre uma justificativa – que faz sentido apenas para o acumulador.

 

O valor sentimental

Nas coleções que citei acima e também em muitos objetos que possuímos, é inegável a existência do valor sentimental – acredito até que em muitos casos, o sentimento seja o responsável por tornar muitos objetos especiais.

No caso do acumulador, não que todos os objetos sejam especiais – há os que podem ser nunca serão utilizados no futuro, mas há um excesso de objetos relacionados à memória, como página se mais páginas de revistas e jornais,  roupas, artigos para casa, e até objetos de pessoas falecidas.

Objetos que nunca são ou serão usados, objetos “para preservar a memória de fulano”. Há quem guarde até dentaduras de quem já não está mais nesse mundo!

Como dá para perceber, são pessoas que possuem um apego exagerado e disfuncional por quase tudo o que possuem. Mas como não estão satisfeitas com tantos objetos, querem possuir mais ainda! Tanto que há casos em que autoridades precisam ser acionadas para efetuar a limpeza do local – a contragosto do acumulador, claro.


O mais assustador é que tudo é feito de forma consciente e intencional – isso dá uma ideia de quão misterioso é o nosso próprio cérebro.


Voltando um pouco ao passado

Há meio século ou mais, as privações eram maiores, por isso acumulava-se mais. Era algo muito normal. Mas fazia sentido.

Guardar, por exemplo, uma caixa com 50 parafusos e pregos não utilizados fazia sentido, pois a chance de serventia posterior era muito grande.

Pelos relatos, parece que quase tudo, de uma forma ou de outra, era aproveitado ou reaproveitado, mas hoje, com uma certa facilidade para comprar-se parafusos (para seguir o exemplo acima), que custam R$ 0,10, R$ 0,50 ou até que custe R$ 5,00, não faz sentido guardar 500 deles para depois ter que procurar 1 entre 500.

Mas para o acumulador, isso tudo faz sentido! E muito, pois o raciocínio é mais ou menos assim: “Ainda bem que guardei, pois acho que tenho o parafuso exato que preciso. Agora é só procurar 1 entre os 500″.

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O pior ainda está por vir

Somos criaturas de hábitos.

Cada um deles forma conexões cerebrais que ficam mais – ou menos – fortalecidas com o passar do tempo. Quanto mais acessado um determinado caminho, mais fácil será a execução das sinapses.

Um exemplo é aprender um instrumento musical. Ou aprender a dirigir. Ou cozinhar.

No início, pensar em todos os passos e executá-los de forma assertiva é bem difícil, mas com o tempo, tudo começa a fluir naturalmente., pois as conexões cerebrais envolvidas estão bem estabelecidas.

Você já reparou que tudo se intensifica com o passar do tempo? Todas as atividades que fazemos habitualmente ou ser uma pessoa agradável ou ranzinza, etc.

Tudo, vamos aperfeiçoando tudo o que fazemos com frequência. Por isso, precisamos estar mais atentos e conscientes em como e porque fazemos o que fazemos. Com a acumulação não é diferente.

Em muitos casos, a intervenção médica é muito importante, antes que o problema se torne crônico ou de difícil solução.

O problema é convencer uma pessoa com transtorno de acumulação a procurar ajuda, pois assim como em outros transtornos psiquiátricos, quem padece desse mal acha que o problema são os outros, que está sendo perseguido, que não é compreendido, que os outros é que tem excesso de zelo e organização, etc.

Será que é uma disfunção que faz parte da personalidade como ocorre com os antissociais? Sinceramente não sei.


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Momento de reflexão

Para finalizar, gostaria de sugerir que você reflita nesse tema de forma muito sincera com você mesmo.

Você possui objetos que sabe que nunca mais vai usar, mas tem dificuldade em dar um novo destino à eles?


Percebe que seus armários estão quase cheios de objetos que não são mais úteis à você?


Os cômodos de sua casa estão livres de coisas espalhadas pelo meio do caminho?


Você tem objetos que acreditou talvez precisar algum dia, mas do qual durante os últimos 5 ou 10 anos nunca necessitou?

Talvez no início seja menos complicado a reversão do transtorno de acumulação, pois as sinapses ainda não são tão sólidas. 

Se você se identificou com alguma das questões acima ou reconheceu-se no post, gostaria de sugerir que reflita muito no assunto, pergunte a opinião de seus familiares e amigos.

Se necessário, procure ajuda especializada, pois a consciência de que algo está errado juntamente com o interesse e a vontade de procurar um tratamento adequado são muito importantes para o alcance de bons resultados.

Assim como em tudo na vida, com o tempo as sinapses cerebrais voltadas à acumulação vão sendo fortalecidas enquanto a consciência sobre a posse excessiva de objetos inúteis vai sendo enfraquecida.

É assim que nosso cérebro funciona. Para o bem ou para o mal.

 

Obs: esse post foi baseado em minha experiência pessoal com um parente próximo acumulador, que nunca assumiu o problema e consequentemente sempre negou-se a fazer qualquer tratamento. 
O resultado? Terrível para ele e para todos os que com ele convivem.


Créditos das imagens: Pixabay

 

 

20 thoughts on “Transtorno de acumulação”

  1. Realmente é um transtorno que traz inúmeros problemas. As pessoas parecem ficar cegas e acham que não vivem sem suas coisas e mais ,mais acumulam…Um horror! bjs, chica

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  2. Há tempo venho esvaziando móveis e gavetas… Afinal, preciso de pouco, muito pouco para me manter viva. Minha vida fica bem mais leve! E, há pessoas que nada têm. Doar é um ato nobre de desprendimento e de ajuda ao próximo.
    Abraço.

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  3. Uma coisa que não tenho, mania de acumular coisas.
    Tenho o básico pra viver. Poucas roupas, poucos sapatos… Afinal não sou centopeia, uso um par a cada vez.
    Sou desprendida de "coisas".
    Quero mesmo é acumular amizades verdadeiras, sabedoria e momentos bons.
    Mas infelizmente existe essa doença… Deve ser doloroso viver assim.
    Abraços, Deus esteja com você.

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  4. Uma maravilha de post. Eu já fui colecionador de moedas, depois fichas telefonicas e hoje ainda coleciono canetas. Não sou dos organizados e estou sempre a ter uma trabalheira para encontrar algo que sei que tenho no armário da garagem e muitas vezes já tive de comprar o que eu sabia ter. Tem um processo de qualidade total, que trata desta situação. São os famosos 5s de origem nipônica. A primeira passa justamente no desfazer de tudo que ocupa e não se usa. Sua postagem é para ser relida por parte e usar como uma receita de organização. Sabemos da dificuldade do desapego, mas que é preciso sim.
    Obrigado pela partilha amiga.
    Carinhoso abraço.

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  5. Rosana, eu tenho um saco de fios, cabos, adptadores, caixinhas de som, cabos hdmi e etc… que nao consigo me desfazer kkkkk eu acho que um dia vou precisar deles mas sei que nunca vou usar. kkkk

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  6. Ótimo tema, Rosana, e excelente abordagem! É muito importante o debate sobre o assunto, visto que em alguns casos tais atos beiram à loucura.

    Eu já tive uma tendência de acumulação até fins do século passado. Colecionava revistas Quatro Rodas, pode? Um pouco antes, rasgava recortes de jornais com matérias mais "globais". Comprava muitos livros e guardava todos. Emprestava, mas cobrava a devolução daqueles que "esqueciam" o assunto (esses em geral, nem liam na verdade rsrs).

    Mas com a internet comecei a ver que isso não teria mais sentido. Os jornais deixei logo para trás: agora eu podia acessar sites e "gravar" em disquetes. As 4 rodas o problema foi espaço mesmo… parei de assinar e alguns anos depois joguei tudo fora (tentei vender, mas não achei um acumulador para isso rsr). Os livros duraram um pouco mais, mas também por falta de espaço, fui forçando-me a entrar no mundo do Kindle.

    O que me ajudou a dar um empurrão na ideia de manter o mínimo de coisas à volta foi minhas constantes mudanças de endereço em função da empresa a partir do ano 2000. Sejam os exemplos citados, mas também roupas, objetos de decoração, etc.

    Hoje me considero uma pessoa clean. Até mesmo o lixo digital, estou sempre reciclando. Hoje tenho 15GB no Drive e sempre que passa essa valor, vou eu lá ver o que não presta (e olha que tenho 19GB gratuitos).

    Coisinhas, principalmente lembrancinhas de viagens? Apenas imãs de geladeira que não ocupam espaço. Nem vejo mais minha geladeira atrás deles, mas também não tenho quase nada no aparador, rack e criados-mudos. Lembranças são somente as fotos mesmo. 🙂

    Abraços!

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  7. Rejane,
    Devido a perda da noção do que é saudável e do que é doentio, o tratamento é fundamental. Mas assim como em muitos transtornos psiquiátricos, as pessoas com esse transtorno acreditam que não há nada de errado com elas.
    Um bom final de semana!

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  8. Edna,
    Que bom você ter a mentalidade do desapego material desde cedo! Gostei dos seus objetivos: o essencial, que são amizades verdadeiras, sabedoria e bons momentos. No final, isso é o que faz a vida valer a pena.
    Gostei do que falou sobre sapatos. Eu também tenho poucos, para ser mais exata, são 3 no momento. Não preciso mais do que isso.
    Um bom final de semana!

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  9. Toninho,

    O 5s é uma excelente ferramenta. Os resultados são muito bons, inclusive é um tema que vou desenvolver em um post futuro. A mudança de mentalidade que essa técnica proporciona é muito boa, pois expande a visão e contrasta com o excesso tão admirado pela sociedade em que vivemos.

    Quando as coleções fazem sentido é legal mantê-las, assim como acontece com a sua coleção de canetas.
    Acho que com o tempo esse sentido acaba pois inevitavelmente mudamos, amadurecemos, temos outros interesses. Então chegou o momento de nos desfazermos delas. Eu já tive várias coleções. Algumas delas foram: moedas, revistas, jogos de tabuleiro, selos, cds, mas conforme foi perdendo o sentido, fui vendendo. Alguns jogos de tabuleiro foram mais difíceis, pois havia um certo apego como você disse, mas não me arrependo em nenhum momento, pois eu não iria usá-los mais. Só fiquei com um jogo de xadrez da infância, que eu jogo de vez em nunca, mas gosto dele, me traz boas lembranças.

    Bom saber que meu post foi útil à você. 🙂

    Um bom final de semana!

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  10. Frugal,

    Legal ver você por aqui!
    Se é apenas uma embalagem com todos esses produtos então fica fácil de você encontrar caso precise. Como cabos em algum momento apresentam problemas, então melhor tê-los, até porque poderá precisar na sua empresa.

    Um bom final de semana!

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  11. Scant Tales,

    Pelo menos a sua acumulação é organizada – um ponto positivo, pois geralmente isso não ocorre. A questão é que provavelmente você perde muito tempo organizando tudo isso, sendo que poderia aproveitar esse tempo com atividades mais gratificantes – é o que penso.
    Agradeço pela indicação do livro, já tinha ouvido falar sobre ele. Vou ler sua resenha. 🙂

    Um bom final de semana!

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  12. André,

    Gostei do seu comentário, um bom exemplo de como acumulamos tantas coisas ao longo do tempo. No seu caso, acho que as constantes mudanças de endereço até ajudaram a mudança de mentalidade, pois não daria para levar tudo mesmo, somente o mais importante.

    O lixo digital tem se tornado um grande problema, pois com espaços cada vez maiores, com o tempo perde-se a noção da acumulação. De vez em quando também faço uma "reciclagem", pois senão a acumulação atinge níveis surreais. Como não é visível materialmente, a percepção acaba sendo muito prejudicada.

    Um bom final de semana!

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  13. Boa tarde de alegrias e paz, querida amiga Rosana!
    Não coleciono mais nada e me faz um mal terível ter muita coisa, estou sempre de mudança de lugar e preciso me desfazer quer queira ou não. Não é porque seja desapegada ou similar e sim, por necessidade.
    Agora mesmo, dei muita coisa, mas aind assim, preciso me desfazer de mais para ter uma vida funcional sem me prender a absolutamente nada de material que me cansa, estafa.
    Vida leve e feliz, eu desejo sempre trabalhar para ter.
    Muito obrigada pelo post tão propício e confirmação do que venho tentando fazer. Foi muito úitil, amiga.
    Tenha dias felizes e abençoados!
    Bjm carinhoso e fraternp de paz e bem

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  14. Roselia,

    Vida leve e feliz – no final, isso é o que realmente importa, não é?
    Por estar sempre de mudança, acredito que tenha uma visão muito mais apurada sobre o assunto, pois sabe que guardar muita coisa poderá atrapalhar na mudança e reorganização.

    Acho que vai gostar da curta reflexão abaixo, tem muito a ver com o que você já faz. Parabéns por conseguir ser assim!
    De passagem, mas com excesso de bagagem – Simplicidade e Harmonia

    Bom saber que gostou do meu post!

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